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sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Uma pequena reflexão sobre ética na internet




Alguns dados interessantes sobre o uso de internet no Brasil que talvez você não tenha na ponta da língua: há mais de 700 000 blogs no país e 51% dos 67 milhões de internautas brasileiras buscam informação e tomam decisões a partir do que lêem em blogs. (Viva! Além de ser blogueiro da Exame, com o maior orgulho, eu sou o publisher de dois blogs: oGizmodo, para loucos por tecnologia, e oJalopnik, para loucos por carro.) Mais: o Orkut tem 27 milhões de usuários no Brasil. Sendo que somente o Colheita Feliz, um aplicativo do Orkut semelhante ao Farmville (uma das febres do Facebook), mantém nada menos que 21,6 milhões de brasileiros plugados – o que é bem mais do que a soma dos usuários do Facebook (8 milhões) e do Twitter (8,8 milhões) no país… E ainda: o Brasil responde pelo maior número de page views em redes sociais entre todos os países. Os usuários brasileiros são também os que mais postam vídeos na internet. Eis a tremenda importância e a crescente relevância das chamadas mídias sociais, que, na acepção corrente, como você sabe, são a soma da blogosfera com as redes sociais: Facebook, Orkut e cia. 

Um dos pontos mais interessante nessa nova fronteira da indústria da mídia é o relacionamento dos anunciantes com blogs – que estão se transformando rapidamente em veículos para lá de importantes. A grande questão é a seguinte: quase nenhuma empresa imagina que ao comprar um pacote de mídia na Veja, por exemplo, a maior e mais influente revista semanal do Brasil, vá ganhar algumas matérias “favoráveis” na revista. E o leitor de Veja costuma ter a certeza de que as coberturas editoriais de Veja, alinhadas ou não com o que ele pensa, tenham qualquer influencia “comercial”. 

No ambiente de blogs, infelizmente, estimulados talvez pela relativa imaturidade do meio, os relacionamentos ainda não são nem tão claros nem tão respeitosos. Ainda há marcas que esperam contrapartida “editorial” de um blog por conta de um investimento “comercial”. Não importa que esse blog seja um veículo influente – e que essa influência, que é o que no fundo interessa à marca, decorra exatamente da sua independência editorial.

Blogs relevantes e sérios vivem isso com alguma frequência: deixam de receber campanhas por conta de alguns reviews eventualmente negativos que fazem de alguns produtos de determinada marca. Entram até mesmo no black list de PR de determinadas empresas – deixando inclusive de receber releases! – por conta de sua independência. A pergunta que faço é: se a Veja não sofre esse tipo de pressão direta, por que sofrem os blogueiros? E eu mesmo respondo: porque os blogs, mesmo os maiores e mais estruturados, ainda são menores e mais vulneráveis em termos financeiros do que os grandes veículos offline. Ou seja: no final das contas, se trata de um calculado exercício de abuso de poder econômico. Quem souber resistir a esse assédio vai colher os frutos da credibilidade – um negócio sem preço e difícil pacas de construir. Quem imaginar que conseguirá alguma coisa com táticas desse tipo certamente não irá longe.

O duro é perceber que na blogofera há coisa ainda pior: posts “comprados”. É quando o blogueiro recebe da empresa o texto que vai depois assinar como se fosse seu. Isso chama-se traição do veículo ao leitor – ou usuário, telespectador, ouvinte. É quando você vende a sua isenção, a sua opinião e, portanto, a sua alma como produtor de conteúdo. Isso significa romper a mais sagrada das relações para um veículo: a confiança da audiência – que é precisamente o que lhe dá sustentação e coisa que deveria ser defendida à bala. Independente do maior ou menor drama de consciência que um blogueiro corrupto e que uma empresa corruptora possam sentir, está em curso mundo afora, inclusive aqui no Brasil, uma discussão sobre sanções penais e financeiras a essa prática.

De minha experiência à frente de dois veículos de internet, somada às minhas passagens pela mídia impressa e pela mídia eletrônica, concluo que só há uma forma correta de subir um post patrocinado ou post pago: avisando ao usuário quem é que está falando com ele naquele momento. No mundo offline, isso seria o equivalente dos informes publicitários especiais. O mundo offline, aliás, onde habitam nossos irmãos mais velhos, tem muito a nos ensinar. Quem atua na internet tem a tendência de tentar sepultar o mais rápido possível a experiência do mundo dos tijolos – mas há ali muitas lições de como fazer e como não fazer que são muito úteis e urgentemente necessárias nessa novíssimo mundo online.

Nunca é demais refletir um pouco mais sobre essas questões que são para lá de relevantes para quem vê a internet como a sua casa e não como a casa da Mãe Joana. Esse é definitivamente o meu caso.

[ Adaptado de post recentemente publicado por mim no Gizmodo ]


Por Adriano Silva

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